quarta-feira, 14 de maio de 2008

MPB na ponta de Língua

Com o maior acesso à internet, músicas brasileiras quase esquecidas voltam a fazer sucesso entre o público jovem


No final dos anos 60 e início dos anos 70, surgiam no Brasil jovens artistas que inventavam seu próprio modo de tocar, de se vestir e de se portar, muitas vezes chocando a conservadora sociedade brasileira, mas conquistando o ouvido dos mais novos e tornando-se ídolos. Nos últimos anos, com a cada vez maior abrangência da internet e os enormes avanços tecnológicos, como a banda larga e os arquivos no formato mp3, tais nomes voltaram a figurar entre as preferências do público jovem. É o que se constata em qualquer roda de violão de faculdades brasileiras. Ao invés de rock e pop predominarem no gosto musical dos jovens, é comum detectar rapazes barbados e moças com vastas cabeleiras, roupas surradas e letras de Chico Buarque afiadas na ponta língua.

Um exemplo de que a possibilidade de baixar arquivos em mp3 pode modificar gostos musicais é o estudante de engenharia Luiz Felipe Pinheiro, 20 anos. Ele já foi guitarrista de três bandas de hardcore, ritmo do qual não quer mais saber. Para ele o negócio agora é a MPB. O estudante conta que começou a ouvir antigos sucessos sem querer: “um dia resolvi pegar na internet. Me lembro de meus pais ouvindo essas músicas quando eu era mais novo. Acabei gostando, e agora praticamente só ouço isso”. Quem aprova o “novo gosto” do rapaz é a mãe de Luiz, Ruth: “Antes ele vivia reclamando das músicas que eu e o pai dele ouvíamos. Hoje é ele quem nos mostra discos que não conhecíamos, de artistas que sempre admiramos. Ele e os amigos se reúnem aos fins de semana para tocar Toquinho, Vinícius (de Moraes) Tom Jobim, João Gilberto, Chico (Buarque). Junta até gente pra ver!”.

Caso um pouco diferente é o da estudante de jornalismo Talita Duvanel, 21 anos. Ela conta que não foi por causa da Internet que começou a ouvir MPB, mas sim pela influência do cunhado, dono de uma vasta coleção de discos. Entretanto, Talita afirma que baixar as versões em mp3 das músicas que gosta só fez a paixão aumentar: “A questão do download com certeza me ajudou a conhecer mais. É bem difícil achar pessoas que tenham esses cds antigos”. Ela revela o porquê de gostar tanto de músicas que outros jovens consideram para “velhos”: “Foi um período muito importante, por causa da ditadura militar apertando no Brasil. E foi também o período mais fértil da MPB. Principalmente em 68, 69 e 70. Meu disco favorito é dessa época, Caetano, de 68”. Por causa das músicas ela também acabou apaixonando-se pela história dos anos de chumbo. “Comecei a ler bastante, principalmente sobre 68, um ano marcante pra história. O ano que não terminou, do Zuenir (Ventura), que fala sobre esse tempo, é um dos meus favoritos”.

Luiz é freqüentador assíduo do blog Loronix, do carioca Zeca Louro. Na rede há um ano e dez meses, o Loronix é visitado tanto por brasileiros (cerca de 48% dos acessos) quanto estrangeiros, por isso é escrito em inglês. O site já se tornou referência num novo modelo de blog que ganha cada vez mais a atenção dos internautas: os que disponibilizam discos inteiros para o download.
Zeca revela que os discos disponíveis em seu blog são quase todos do acervo pessoal, mas que muitos freqüentadores colaboram e tornam a coletânea ainda mais vasta. Uma das principais características do Loronix é o de nunca disponibilizar o download de discos que ainda estão no mercado, para não prejudicar as vendas. “É exatamente esse o propósito do Loronix, oferecer aos amantes da música brasileira em todo o mundo a oportunidade de conhecer artistas e discos que não possuem mais nenhuma perspectiva comercial. Conto com a ajuda da comunidade para avisar que determinado disco foi relançado. Quando acontece, ele é retirado imediatamente”, explica.

E os artistas? O que acham de verem seus discos colocados na íntegra gratuitamente na internet? Zeca conta que, ao contrário do que muitos pensam, os artistas gostam sim: “Vários artistas se declaram fãs do Loronix. Até agora nenhum artista reprovou o serviço”. Indagado se já recebeu depoimentos de jovens que passaram a gostar do estilo por causa do blog, emenda: “Recebi vários depoimentos. Alguns bastante entusiasmados”.

Em 2006 uma outra ferramenta popularizou-se entre os internautas e deu ainda mais fôlego para a música em formato digital: O surgimento de sites como o youtube, onde vídeos podem ser assistidos gratuitamente. Luiz Felipe diz que a inovação acabou atraindo ainda mais os jovens, já que agora é possível ver os artistas em performances ao vivo: “Os vídeos dos grandes festivais são muito legais! Tem um sobre o terceiro Festival (Internacional da Canção) que mostra bem como eram os festivais”, comenta.

Zeca Louro define bem a importância desse novo interesse na MPB. “Certamente cria uma nova demanda, uma nova audiência. Mesmo o pessoal mais antigo descobre através do Loronix artistas que nunca teriam oportunidade de conhecer em outros meios”, diz. Os artistas brasileiros agradecem.

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